Não sendo considerada, como é
óbvio, uma profissão, a cegueira, para quem a quer viver plenamente integrado
socialmente, constitui um dos mais difíceis ofícios dada a complexidade de que
se reveste. Não sendo remunerada, pelo menos de uma forma sustentável, exige a
acumulação com uma atividade que permita ao cidadão uma vida digna, com acesso
pelo menos às necessidades básicas do ser humano.
Dotada de algumas limitações,
maiores ou menores consoante a reabilitação e/ou a aprendizagem que usufruiu, a
pessoas cega parte para este desafio numa posição altamente desvantajosa em
relação aos restantes candidatos. Obrigado a superar-se a si próprio, nas mais
variadas valências, raramente é reconhecido pelas suas capacidades, sendo normalmente
visto como incapaz de desempenhar cabalmente a sua profissão, não lhes sendo
dadas muitas vezes, oportunidades de as demonstrar. As suas dificuldades
começam logo ao acordar, impossibilitado de ao abrir a janela do seu quarto
poder contemplar as maravilhas do romper da aurora com o esplendor do raiar do
astro rei e de toda a beleza que a natureza nos oferece diariamente, com
alternância de cenários mediante a estação do ano em que nos encontramos. Depois
de cumpridas as tarefas respeitantes à sua higiene pessoal, normalmente
facilitadas pela rotina de que se revestem, surge novo desafio, mais ou menos
dificultado em função da residência e do local de trabalho, com o desbravar do
reboliço das nossas vilas e cidades, onde raramente se pensa naqueles que
dispõem de algumas dificuldades de mobilidade. O acesso aos transportes
públicos, o atravessar de vias bastante movimentadas e essencialmente a
frequente surpresa de obstáculos nas mais diversas artérias, traduzem-se num
risco e esforço de concentração redobrados para quem necessita de chegar a
horas ao seu emprego.
Cumprida a 1ª fase deste ingrato
ofício, que será complementado no final do dia, com o regresso a casa, o cego
vai ocupar-se da sua real profissão, sempre com o peso nos seus ombros, de não
desiludir os seus chefes e se possível, surpreendê-los favoravelmente.
Não raras vezes, são vítimas de
descriminações e comentários sobre o seu infortúnio, tendo de estar preparados
para a insensibilidade e falta de cultura de uma ainda grande franja da população
portuguesa que ainda os vê como seres diferentes e inferiores, dada a
deficiência que possuem.
Limitados também na suas
atividades de lazer, são as barreiras sociais, sem dúvida as mais difíceis de ultrapassar, pois
dependem essencialmente da mentalidade dos cidadãos em relação à problemática
da cegueira, embora os cegos tenham um papel importante neste domínio,
demonstrando as suas reais capacidades.
Esta “profissão” apesar do seu
elevado risco e de um inqualificável número de obstáculos refletidos no dia a
dia, nem por isso tem direito a reformas antecipadas, sendo escassos os
benefícios a que têm direito, face à situação ingrata e desvantajosa em relação
aos demais e às dificuldades que têm de enfrentar a cada momento.
São as desvantagens e
consequências de fazer parte de uma minoria sem poder reivindicativo e sem
qualquer estatuto, esquecida como tantas outras, por aqueles que felizmente
nunca tiveram de exercer tal “profissão”.
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